quarta-feira, 26 de março de 2014

Esporte e Saúde



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Nos cursos de Educação Física está ocorrendo uma revolução, que vem provocando questionamentos sobre alguns conceitos: o que se tenta expor criticamente hoje é a relação entre “Esporte e Saúde”. Esta veiculação, infelizmente, não é a mais usual, pois geralmente é substituída por “Esporte é Saúde” pelo conhecimento popular, uma relação que aparenta ser uma verdade absoluta, quando não, obrigatoriamente, é. Os novos conceitos trabalhados relacionam Esporte, Saúde e Qualidade de Vida, de maneira a levantar o debate para refletirmos sobre os mesmos.
        O Esporte coletivo é um meio de aprender sobre nossos limites corporais e sobre como nos relacionar com os limites do outro.
O Esporte, como conceito, é considerado uma atividade metódica e regular, que associa resultados concretos referentes à anatomia dos gestos e à mobilidade dos indivíduos. Esta é a conotação que podemos chamar de “Esporte de alto nível”, veiculada nas mídias em geral, representada por pessoas executando gestos extremamente mecanizados, uniformes, com um certo gasto de energia para produzir um determinado tipo de movimento repetidas vezes. São gestos plásticos, muito organizados, moldados e com muitas regras, para que se possa obter algum resultado prático. O Esporte pode ser encarado, dentro de outras ópticas, tanto como o Esporte veiculado nas mídias, como uma atividade dentro de um grupo de amigos (na escola, na rua ou qualquer local).
Existem outros conceitos de Esporte, em que se consideram como um componente dos blocos de conteúdos da Educação Física escolar, isto é, a Educação Física nas escolas possui alguns conteúdos, tais como a Dança, os Jogos, as Lutas, as Brincadeiras, e o Esporte é um destes. É na escola que a conotação de Esporte deve ser diferente do Esporte de alto nível, apesar de alguns professores de Educação Física insistirem em alto rendimento. Felizmente este modelo vem modificando-se, aos poucos. Assim, a idéia que se tem de Esporte é muito ampla, o que permite uma variedade de conceitos. Dependendo do conceito e do entendimento, Esporte pode estar ou não veiculado à Saúde.
Já Saúde, enquanto conceito, é sentir-se bem em todos os seus aspectos: físicos, motores, sociais, mentais e afetivos. Isto acaba tornando muito difícil ter uma saúde perfeita e praticamente impossível um conjunto de profissionais completamente saudáveis (como os professores de Educação Física, por exemplo).
A respeito de Saúde, a diferença entre os termos físico e motor é muito tênue. Motor é uma idéia que está ligada ao movimento, isto é, é necessário estar bem; o organismo e todos os aparelhos que o compõem precisam estar em pleno funcionamento para se movimentar bem. Por outro lado, físico é um conceito ligado à capacidade, força e potência (aeróbia ou anaeróbia). Logo, não necessariamente, quem realiza bem um movimento tem uma capacidade física muito grande, e vice-versa. Por exemplo, aqueles que fazem musculação ininterruptamente costumam ter uma certa dificuldade ao caminhar, ou seja, o aspecto físico bem trabalhado não significa um aspecto motor de boa qualidade. Por isso, Esporte como entendimento de uma atividade metódica pode provocar saúde ou bem-estar em nível psico-motor, mas dificilmente em nível social. Também aquele que realiza um Esporte e coloca acima de tudo a vitória (validando atividades “anti-jogo”, tais como puxão de cabelo, cotovelada e outras faltas), não promove sua Saúde completa.
Associado à Saúde está o conceito de Qualidade de Vida, definido como a condição humana resultante de um conjunto de parâmetros individuais e sócio-ambientais (modificáveis ou não) que caracterizam as condições em que vive o ser humano. Para se definir como boa qualidade de vida, deve-se levar em consideração a satisfação das necessidades básicas de sobrevivência: alimentação, vestuário, trabalho, moradia e relações sociais e afetivas (as quais, no mundo capitalista de hoje, sempre se subordinam à outra: a econômica).
Analisando agora a relação do conhecimento popular “Esporte é Saúde”, esta se difunde como contrapartida ao mundo atual, que promove em suas práticas o sedentarismo, como conseqüente, a obesidade – tida como o mal do século. Assim, em combate à obesidade, o Esporte promove Saúde. O Esporte também é promotor de Saúde por ser um incentivo às relações sociais, tais como coleguismo, amizade e paixões.
Outras inverdades são disseminadas pelo conhecimento popular. Algumas pessoas dizem que ao caminhar uma hora por dia mantêm seu nível de colesterol reduzido, com chances reduzidas de obter problemas cárdio-respiratórios, ou ainda possibilidades de emagrecimento. Mas, em seguida, comem chocolate, "churrasquinho", "leitão à pururuca", "torresminho", doces, refrigerantes, etc – alimentos que invalidam qualquer atividade saudável. Além disto, caminham em locais inadequados e usam calçados impróprios para a atividade exercida. Logo, o corpo não descansa, como ainda pode sofrer lesões por exercícios praticados de maneira errada. Também existem aqueles que caminham em excesso, acima de quatro horas ao dia, todos os dias da semana, sem um descanso mínimo. As estruturas corpóreas e seus respectivos ligamentos não agüentam e acabam por “inchar”, inflamar ou até romper. Está comprovado que qualquer treinamento físico, principalmente os de altíssimo nível, deve ser praticado com o necessário descanso para que o organismo possa se recuperar da atividade e da perda de líquidos e sais minerais. Outros praticam esforços aos finais de semana como maneira de compensar uma vida sedentária de segunda à sexta-feira, sem qualquer sistemática apropriada. Deve-se praticar atividades periódica e cotidianamente, com pausas corretas de descanso.
Tudo que é feito ininterruptamente cansa, desgasta e não promove os benefícios almejados. O Esporte é uma atividade física e, como tal, promove desgaste energético, emagrecendo o organismo. Mas, sem respeitar os parâmetros físicos limitantes de cada indivíduo, ou ainda, um controle alimentar adequado, ao invés de benefícios, a atividade pode promover malefícios. O controle alimentar é muito importante no que se refere à relação entre ingestão e gasto de energia, ou seja, o quanto (e o que) se come e o quanto se trabalha. Neste parâmetro, podemos entender que é perigoso pessoas obesas e despreparadas praticarem Esportes como triathlon, uma competição onde se nada, pedala e corre longas distâncias exaustivamente. Até que ponto é saudável praticar triathlon, ou ainda malhar de duas a quatro horas numa academia? São associações equivocadas relacionar alto rendimento e esforço excessivo. Para que o Esporte fazer bem, tem que suar muito e deixar o indivíduo cansado.
Esporte não é Saúde. Pode vir a ser um promotor de Saúde, mas nem sempre irá produzir Saúde, como uma regra. Inclusive temos recentemente dois casos de jogadores de futebol que faleceram enquanto praticavam a atividade física. Percebemos também, que existem vários desportistas que fazem uso de substâncias – questionáveis – para obter melhores desempenhos nas atividades, o que corrompe a noção de que Esporte faz bem. Esporte só faz bem dentro de seus fatores limitantes: bem empregado, bem trabalhado e sob uma perspectiva que esteja além do alto rendimento.
Isso não quer dizer que muitos que praticam Esportes de alto rendimento não são pessoas saudáveis. Serão na medida em que o treinamento lhes provocar bem-estar físico e uma boa relação para com os outros. Mas ao exagerar na atividade (em nome da relação “Esporte é Saúde), acaba-se promovendo um malefício ao corpo”. Outro problema nesta relação ocorre com uma concepção inadequada de Esporte, sendo esta, muitas vezes, a concepção dos professores de Educação Física dos ensinos fundamental e médio. Em determinada ocasião, Esporte é considerado como um conteúdo mínimo e único, o que acaba se tornando a exclusiva prioridade a ser promovida entre seus alunos: aos que jogam bem, a oportunidade de praticar; aos que possuem dificuldades, acabam como juiz, gandula ou ainda sentados no banco, só observando a turma jogar. Nestes casos, não há Saúde social, ou, sequer, Saúde motora. Como deve se sentir o aluno que permanece sentado durante toda a atividade dos colegas? O que ele acaba por representar? E sobre a prática de distribuir os alunos em dois times, onde são escolhidos um por vez, alternadamente: como se sente o último a ser escolhido? Como “resto”? São estas as práticas a serem repensadas.
    As crianças têm limites especiais que precisam ser respeitados.
A Educação Física nas escolas não pode ter por objetivo formar campeões, assim como não deve negar a possibilidade de que alguns realmente serão futuros campeões. Temos a necessidade de dissociar a Educação Física escolar de treinamento esportivo. A inserção dos alunos obesos, lentos e sem muita coordenação motora trará mais Qualidade de Vida ao conjunto, ensinando, não apenas, nossos limites, mas também em como conviver com os limites alheios. Nas escolas, os pré-requisitos para os professores de Educação Física não devem ser grandes atletas que sabem jogar, devem ser grandes professores que saibam ensinar. Do contrário, o Esporte deixa de ser um agente de inclusão social para ser um fator de exclusão social, onde “quem joga bem, joga; quem não joga bem, que fique quieto e não atrapalhe”.
Existem também aqueles que praticam musculação e, paralelamente, tomam suplementos alimentares e aminoácidos. Alguns em apenas dois meses têm a musculatura toda definida e acreditam que isto é ser saudável: muito questionável, principalmente, se tratando de um adolescente, por exemplo. No momento, o corpo fica “esteticamente belo” (o que não deixa de ser uma mera convenção social), mas passados alguns anos, estes complementos podem deixar a pessoa estéril ou ainda provocar doenças no fígado. Tudo o que é feito para além dos limites naturais do corpo, com certeza prejudica o mesmo. Existe um composto chamado Creatina, substância que ao ser ingerida dá condições de um rendimento um pouco maior ao corpo, produzindo mais energia. Porém, ao se ingerir Creatina após um longo período, o corpo para de produzir os benefícios mesmo que o indivíduo continue ingerindo-a. Mais tarde, começam a se formar certos resíduos, estranhos ao corpo: são compostos que acabarão por gerar algum problema grave, talvez até um tumor. Também não praticam um ato saudável os indivíduos que se abstêm de se alimentar com legumes, verduras e frutas para só ingerir suplementos alimentares. Não se deve exagerar em nada, tudo tem seus limites.
Ainda sobre os excessos além dos limites do corpo, está o que chamamos de “Especialização Motora Precoce” ou “Inadequação no Movimento ao Nível Desenvolvimental do Praticante”. São as Escolinhas de Esporte para crianças (como as Escolinhas de Futebol, por exemplo) que ensinam como se estas fossem adultos, esquecendo que seus limites físicos e motores são muito maiores. Nesta idade, deveriam somente ensinar os movimentos que lhes são possíveis, deixando a especialização no Esporte de alto nível para depois, quando desenvolverão sua habilidade motora. Para as crianças de 8 até 12 anos o que deve ser praticado está muito distante do Jogo profissional em si – apenas mobilidades precursoras. Além do corpo não compreender o movimento se não estiver bem desenvolvido, existem pesquisas comprovando que devemos primeiro desenvolver nossa base motora para em seguida decidir o que fazer com ela. Isto é, na infância devemos desenvolver nosso nível de movimentos em uma grande amplitude de ações (genéricas) para só depois podermos decidir os esportes a praticar (em uma especialização do movimento). Podemos ver que no Vôlei, por exemplo, os jogadores que se destacam hoje são aqueles que sabem atuar bem em diversas posições, levantamento, bloqueio, saque, corte, enquanto que antigamente o bom jogador era especialista em uma só posição. O atual jogador de vôlei aprende inicialmente os lances mais gerais e só mais tarde escolhe a posição que melhor lhe convém, assim já aprendeu mais do esporte e desenvolveu mais amplamente sua coordenação motora para o mesmo. Além disso, a especialização prematura pode acarretar lesões (no joelho, ombro, cotovelo, etc – e não há maneira de se compensar o corpo depois de lesionado), o que ocasiona uma curta vida no Esporte, tendo que abandonar mais cedo a atividade.
© Revista Eletrônica de Ciências - Número 22 - Outubro / Novembro / Dezembro de 2003.

Selva Maria Guimarães Barreto-Professora do Departamento de Educação Física e Motricidade Humana da UFSCar 
Universidade Federal de São Carlos
e-mail: selva@power.ufscar.br