Gostei do Artigo e Resolvi Postar...
Nos cursos de Educação
Física está ocorrendo uma revolução, que vem provocando questionamentos sobre
alguns conceitos: o que se tenta expor criticamente hoje é a relação entre
“Esporte e Saúde”. Esta veiculação, infelizmente, não é a mais usual, pois
geralmente é substituída por “Esporte é Saúde” pelo conhecimento popular, uma
relação que aparenta ser uma verdade absoluta, quando não, obrigatoriamente, é.
Os novos conceitos trabalhados relacionam Esporte, Saúde e Qualidade de Vida,
de maneira a levantar o debate para refletirmos sobre os mesmos.
O
Esporte coletivo é um meio de aprender sobre nossos limites corporais e sobre
como nos relacionar com os limites do outro.
O Esporte, como
conceito, é considerado uma atividade metódica e regular, que associa
resultados concretos referentes à anatomia dos gestos e à mobilidade dos
indivíduos. Esta é a conotação que podemos chamar de “Esporte de alto nível”, veiculada
nas mídias em geral, representada por pessoas executando gestos extremamente
mecanizados, uniformes, com um certo gasto de energia para produzir um
determinado tipo de movimento repetidas vezes. São gestos plásticos, muito
organizados, moldados e com muitas regras, para que se possa obter algum
resultado prático. O Esporte pode ser encarado, dentro de outras ópticas, tanto
como o Esporte veiculado nas mídias, como uma atividade dentro de um grupo de
amigos (na escola, na rua ou qualquer local).
Existem outros
conceitos de Esporte, em que se consideram como um componente dos blocos de
conteúdos da Educação Física escolar, isto é, a Educação Física nas escolas
possui alguns conteúdos, tais como a Dança, os Jogos, as Lutas, as
Brincadeiras, e o Esporte é um destes. É na escola que a conotação de Esporte
deve ser diferente do Esporte de alto nível, apesar de alguns professores de
Educação Física insistirem em alto rendimento. Felizmente este modelo vem
modificando-se, aos poucos. Assim, a idéia que se tem de Esporte é muito ampla,
o que permite uma variedade de conceitos. Dependendo do conceito e do
entendimento, Esporte pode estar ou não veiculado à Saúde.
Já Saúde, enquanto
conceito, é sentir-se bem em todos os seus aspectos: físicos, motores, sociais,
mentais e afetivos. Isto acaba tornando muito difícil ter uma saúde perfeita e
praticamente impossível um conjunto de profissionais completamente saudáveis
(como os professores de Educação Física, por exemplo).
A respeito de Saúde, a
diferença entre os termos físico e motor é muito tênue. Motor é uma idéia que
está ligada ao movimento, isto é, é necessário estar bem; o organismo e todos
os aparelhos que o compõem precisam estar em pleno funcionamento para se
movimentar bem. Por outro lado, físico é um conceito ligado à capacidade, força
e potência (aeróbia ou anaeróbia). Logo, não necessariamente, quem realiza bem
um movimento tem uma capacidade física muito grande, e vice-versa. Por exemplo,
aqueles que fazem musculação ininterruptamente costumam ter uma certa
dificuldade ao caminhar, ou seja, o aspecto físico bem trabalhado não significa
um aspecto motor de boa qualidade. Por isso, Esporte como entendimento de uma
atividade metódica pode provocar saúde ou bem-estar em nível psico-motor, mas
dificilmente em nível social. Também aquele que realiza um Esporte e coloca
acima de tudo a vitória (validando atividades “anti-jogo”, tais como puxão de
cabelo, cotovelada e outras faltas), não promove sua Saúde completa.
Associado à Saúde está
o conceito de Qualidade de Vida, definido como a condição humana resultante de
um conjunto de parâmetros individuais e sócio-ambientais (modificáveis ou não)
que caracterizam as condições em que vive o ser humano. Para se definir como
boa qualidade de vida, deve-se levar em consideração a satisfação das
necessidades básicas de sobrevivência: alimentação, vestuário, trabalho,
moradia e relações sociais e afetivas (as quais, no mundo capitalista de hoje,
sempre se subordinam à outra: a econômica).
Analisando agora a
relação do conhecimento popular “Esporte é Saúde”, esta se difunde como
contrapartida ao mundo atual, que promove em suas práticas o sedentarismo, como
conseqüente, a obesidade – tida como o mal do século. Assim, em combate à
obesidade, o Esporte promove Saúde. O Esporte também é promotor de Saúde por
ser um incentivo às relações sociais, tais como coleguismo, amizade e paixões.
Outras inverdades são
disseminadas pelo conhecimento popular. Algumas pessoas dizem que ao caminhar
uma hora por dia mantêm seu nível de colesterol reduzido, com chances reduzidas
de obter problemas cárdio-respiratórios, ou ainda possibilidades de
emagrecimento. Mas, em seguida, comem chocolate, "churrasquinho",
"leitão à pururuca", "torresminho", doces, refrigerantes, etc
– alimentos que invalidam qualquer atividade saudável. Além disto, caminham em
locais inadequados e usam calçados impróprios para a atividade exercida. Logo,
o corpo não descansa, como ainda pode sofrer lesões por exercícios praticados
de maneira errada. Também existem aqueles que caminham em excesso, acima de
quatro horas ao dia, todos os dias da semana, sem um descanso mínimo. As
estruturas corpóreas e seus respectivos ligamentos não agüentam e acabam por
“inchar”, inflamar ou até romper. Está comprovado que qualquer treinamento físico,
principalmente os de altíssimo nível, deve ser praticado com o necessário
descanso para que o organismo possa se recuperar da atividade e da perda de
líquidos e sais minerais. Outros praticam esforços aos finais de semana como
maneira de compensar uma vida sedentária de segunda à sexta-feira, sem qualquer
sistemática apropriada. Deve-se praticar atividades periódica e cotidianamente,
com pausas corretas de descanso.
Tudo que é feito
ininterruptamente cansa, desgasta e não promove os benefícios almejados. O
Esporte é uma atividade física e, como tal, promove desgaste energético,
emagrecendo o organismo. Mas, sem respeitar os parâmetros físicos limitantes de
cada indivíduo, ou ainda, um controle alimentar adequado, ao invés de
benefícios, a atividade pode promover malefícios. O controle alimentar é muito
importante no que se refere à relação entre ingestão e gasto de energia, ou
seja, o quanto (e o que) se come e o quanto se trabalha. Neste parâmetro,
podemos entender que é perigoso pessoas obesas e despreparadas praticarem
Esportes como triathlon, uma competição onde se nada, pedala e corre longas
distâncias exaustivamente. Até que ponto é saudável praticar triathlon, ou
ainda malhar de duas a quatro horas numa academia? São associações equivocadas
relacionar alto rendimento e esforço excessivo. Para que o Esporte fazer bem,
tem que suar muito e deixar o indivíduo cansado.
Esporte não é Saúde.
Pode vir a ser um promotor de Saúde, mas nem sempre irá produzir Saúde, como
uma regra. Inclusive temos recentemente dois casos de jogadores de futebol que
faleceram enquanto praticavam a atividade física. Percebemos também, que
existem vários desportistas que fazem uso de substâncias – questionáveis – para
obter melhores desempenhos nas atividades, o que corrompe a noção de que
Esporte faz bem. Esporte só faz bem dentro de seus fatores limitantes: bem
empregado, bem trabalhado e sob uma perspectiva que esteja além do alto
rendimento.
Isso não quer dizer que
muitos que praticam Esportes de alto rendimento não são pessoas saudáveis.
Serão na medida em que o treinamento lhes provocar bem-estar físico e uma boa
relação para com os outros. Mas ao exagerar na atividade (em nome da relação
“Esporte é Saúde), acaba-se promovendo um malefício ao corpo”. Outro problema
nesta relação ocorre com uma concepção inadequada de Esporte, sendo esta,
muitas vezes, a concepção dos professores de Educação Física dos ensinos
fundamental e médio. Em determinada ocasião, Esporte é considerado como um
conteúdo mínimo e único, o que acaba se tornando a exclusiva prioridade a ser
promovida entre seus alunos: aos que jogam bem, a oportunidade de praticar; aos
que possuem dificuldades, acabam como juiz, gandula ou ainda sentados no banco,
só observando a turma jogar. Nestes casos, não há Saúde social, ou, sequer,
Saúde motora. Como deve se sentir o aluno que permanece sentado durante toda a
atividade dos colegas? O que ele acaba por representar? E sobre a prática de
distribuir os alunos em dois times, onde são escolhidos um por vez,
alternadamente: como se sente o último a ser escolhido? Como “resto”? São estas
as práticas a serem repensadas.
As
crianças têm limites especiais que precisam ser respeitados.
A Educação Física nas
escolas não pode ter por objetivo formar campeões, assim como não deve negar a
possibilidade de que alguns realmente serão futuros campeões. Temos a
necessidade de dissociar a Educação Física escolar de treinamento esportivo. A
inserção dos alunos obesos, lentos e sem muita coordenação motora trará mais
Qualidade de Vida ao conjunto, ensinando, não apenas, nossos limites, mas
também em como conviver com os limites alheios. Nas escolas, os pré-requisitos
para os professores de Educação Física não devem ser grandes atletas que sabem
jogar, devem ser grandes professores que saibam ensinar. Do contrário, o
Esporte deixa de ser um agente de inclusão social para ser um fator de exclusão
social, onde “quem joga bem, joga; quem não joga bem, que fique quieto e não
atrapalhe”.
Existem também aqueles
que praticam musculação e, paralelamente, tomam suplementos alimentares e
aminoácidos. Alguns em apenas dois meses têm a musculatura toda definida e
acreditam que isto é ser saudável: muito questionável, principalmente, se
tratando de um adolescente, por exemplo. No momento, o corpo fica “esteticamente
belo” (o que não deixa de ser uma mera convenção social), mas passados alguns
anos, estes complementos podem deixar a pessoa estéril ou ainda provocar
doenças no fígado. Tudo o que é feito para além dos limites naturais do corpo,
com certeza prejudica o mesmo. Existe um composto chamado Creatina, substância
que ao ser ingerida dá condições de um rendimento um pouco maior ao corpo,
produzindo mais energia. Porém, ao se ingerir Creatina após um longo período, o
corpo para de produzir os benefícios mesmo que o indivíduo continue
ingerindo-a. Mais tarde, começam a se formar certos resíduos, estranhos ao
corpo: são compostos que acabarão por gerar algum problema grave, talvez até um
tumor. Também não praticam um ato saudável os indivíduos que se abstêm de se
alimentar com legumes, verduras e frutas para só ingerir suplementos
alimentares. Não se deve exagerar em nada, tudo tem seus limites.
Ainda
sobre os excessos além dos limites do corpo, está o que chamamos de
“Especialização Motora Precoce” ou “Inadequação no Movimento ao Nível
Desenvolvimental do Praticante”. São as Escolinhas de Esporte para crianças
(como as Escolinhas de Futebol, por exemplo) que ensinam como se estas fossem
adultos, esquecendo que seus limites físicos e motores são muito maiores. Nesta
idade, deveriam somente ensinar os movimentos que lhes são possíveis, deixando
a especialização no Esporte de alto nível para depois, quando desenvolverão sua
habilidade motora. Para as crianças de 8 até 12 anos o que deve ser praticado
está muito distante do Jogo profissional em si – apenas mobilidades
precursoras. Além do corpo não compreender o movimento se não estiver bem
desenvolvido, existem pesquisas comprovando que devemos primeiro desenvolver
nossa base motora para em seguida decidir o que fazer com ela. Isto é, na
infância devemos desenvolver nosso nível de movimentos em uma grande amplitude
de ações (genéricas) para só depois podermos decidir os esportes a praticar (em
uma especialização do movimento). Podemos ver que no Vôlei, por exemplo, os
jogadores que se destacam hoje são aqueles que sabem atuar bem em diversas
posições, levantamento, bloqueio, saque, corte, enquanto que antigamente o bom
jogador era especialista em uma só posição. O atual jogador de vôlei aprende
inicialmente os lances mais gerais e só mais tarde escolhe a posição que melhor
lhe convém, assim já aprendeu mais do esporte e desenvolveu mais amplamente sua
coordenação motora para o mesmo. Além disso, a especialização prematura pode
acarretar lesões (no joelho, ombro, cotovelo, etc – e não há maneira de se
compensar o corpo depois de lesionado), o que ocasiona uma curta vida no
Esporte, tendo que abandonar mais cedo a atividade.
© Revista Eletrônica de Ciências - Número 22 - Outubro /
Novembro / Dezembro de 2003.
Selva Maria Guimarães
Barreto-Professora do Departamento de Educação Física e Motricidade Humana da
UFSCar
Universidade Federal de
São Carlos
e-mail: selva@power.ufscar.br
e-mail: selva@power.ufscar.br